Com renda fixa em alta, assessores ajustam sugestões e até modelo de remuneração

Este ano caminha para ser mais um “
ano da renda fixa
”, tendo em vista as previsões (
tanto do mercado quanto do próprio Banco Central
) de que a Selic deve continuar subindo. Com isso, os
assessores de investimento
não têm muito para onde correr.
Apesar de as operações em bolsa terem mais potencial de gerar ganhos aos escritórios, esses profissionais garantem que, em 2025,
a orientação principal é para que seus clientes se concentrem em produtos mais conservadores
.
E esse cenário pode
acelerar uma mudança na forma de remuneração desses agentes.
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Antes de mais nada, é preciso esclarecer que
os assessores de investimento podem ser remunerados de duas maneiras diferentes
:
com uma taxa fixa, que é uma porcentagem da carteira do cliente
(o chamado “fee based”, no jargão do mercado)
ou por “comissões” pagas pelos donos daqueles produtos, com base na venda desses ativos
(conhecido por “comission based”).
No primeiro caso, conforme o portfólio do cliente vai se valorizando, o assessor vai recebendo um pagamento maior
, já que
trata-se de uma porcentagem daquela carteira
. Nesse caso, o cliente paga (e o assessor recebe) independentemente de alguma mudança ter sido feita naquela carteira.
No segundo modelo, o principal da remuneração vem das “comissões” que são pagas pelos donos daqueles produtos
(ou seja, o banco que emitiu aquele CDB, a gestora que montou aquele fundo e etc)
às corretoras e assessores por eles terem vendido aquele investimento.
Com a renda fixa no radar, no entanto
, a migração para o modelo fee based pode se acelerar
. Isso
porque os produtos de renda fixa tendem a pagar uma comissão menor
para os assessores
.
Alguns, inclusive, sequer pagam alguma remuneração, como é o caso dos títulos públicos negociados no Tesouro Direto.

O modelo ‘fee based’ parece ser um caminho sem volta
.
Embora a gente ainda esteja em crescimento para esse tipo de remuneração, acho que ele veio para ficar. Gradualmente, devemos enxergar uma tendência não só no nosso escritório como na indústria. Aí, nesse caso, a remuneração do assessor não depende tanto dessa questão do que vai ser alocado na carteira do cliente”, afirma
Rodrigo Macarenco,
sócio responsável pela área de planejamento patrimonial da
Manchester Investimentos,
escritório ligado à
XP Investimentos.
Luis Benac
, sócio-fundador da
Taurus Investimentos,
escritório ligado ao
BTG
Pactual,
concorda que a remuneração dos
assessores que recebem via modelo “comission based” pode cair em momentos de mais força da renda fixa
, o que pode incentivar que muitos escritórios migrem para o modelo “fee based”.
Ele destaca, porém, que
essa migração pode impactar negativamente determinados tipos de investidores.
“Essa mudança pode blindar um pouco os escritórios durante esse período de renda fixa mais forte. Mas é importante lembrar que
isso pode ter mexer com o bolso de clientes que mexem pouco na carteira
,
por exemplo.
Porque eles pagarão taxas, mesmo sem que nenhum trabalho tenha sido feito por parte dos profissionais que os aconselham
“, afirma.
Por outro lado, o modelo de ”
comission based
” também tem pontos questionados pelos investidores. O problema principal, nesse caso, é que
pode haver um conflito de interesse
. Ou seja,
um assessor pode priorizar a venda de um produto que paga uma comissão maior sem levar tanto em conta se aquele investimento é a melhor escolha para o seu cliente
.
Especialistas afirmam, no entanto, que a profissão e os escritórios dos assessores de investimento tendem a ganhar novos contornos daqui em diante, ampliando as áreas de atuação.
“Vamos fidelizar o cliente se fizermos um trabalho completo. Aqui no escritório, temos suporte de previdência privada, temos apólices de seguro de vida que é uma importante linha de receita para a operação, etc”, afirma Macarenco.
Número de inscritos nas provas para assessores de investimentos vem caindo
O cenário de renda fixa em alta também pode ter sido o responsável por outro movimento nesse mercado:
o de queda no número de inscritos para as provas de assessores de investimentos
.
A certificação da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (
Ancord
) é a principal usada por esses profissionais e o número de pessoas que prestaram o exame para tirá-la vem caindo ano a ano.
Segundo dados da própria Ancord,
em 2024, as provas tiveram 9,5 mil inscritos, uma queda de 19%
em relação a 2023. Em 2023, o número de inscritos já havia caído. Foram 11,7 mil pessoas ante 13,1 mil profissionais em 2022.
Dados mais recentes, de janeiro de 2025, mostram que foram 701 exames realizados, com 301 aprovados, uma leve queda na comparação anual. Em janeiro de 2024, foram 708 exames feitos, mas com apenas 283 aprovados.
Apesar de o número de inscritos estar diminuindo,
Roberto Varaschin,
co-fundador e diretor da
EQI Investimentos
, acredita que algumas mudanças provenientes do contexto mais recente podem ser boas para o mercado.
Segundo o especialista, essa área cresceu muito nos últimos tempos e, se por um lado muitos profissionais bons chegaram, por outro,
há assessores menos preparados
. Assim, em um contexto um pouco mais desafiador, é normal que os melhores se destaquem mais, o que gera um efeito positivo para o mercado como um todo.
O que os assessores vão recomendar neste ano?
Com a
Selic a 13,25%
ao ano e caminhando a passos largos para chegar a 14,25% –
uma vez que o próprio Banco Central já cravou que mais um ajuste de um ponto percentual deve acontecer
– tanto os assessores quanto os próprios clientes buscam oportunidades na renda fixa. Onde exatamente elas estão, vai depender do perfil de cada investidor. Mas uma coisa é certa:
o mais básico (como títulos públicos que têm rendimentos atrelados à Selic ou à inflação) já deve garantir um bom resultado.

Títulos indexados ao CDI são mais para reserva de emergência
.
Pensando mais no longo prazo, achamos que faz sentido ter também aqueles atrelados ao IPCA
.
No Tesouro Direto, há títulos com uma rentabilidade de inflação mais juros de quase 8%, o que é bom
“, afirma Macareno, da Manchester. ”
O cliente que está com dinheiro disponível, está com o melhor dos mundos na renda fixa, porque terá retornos muito bons, seja em CDI ou IPCA, e com relativamente pouco risco
“, completa.
Além dos títulos do Tesouro Direto,
ativos de crédito privado também podem ser uma boa pedida
, mas é preciso atenção. Segundo
Varaschin
, os próprios clientes têm trazido
uma demanda de diversificar dentro da renda fixa, especialmente por meio de investimentos isentos de imposto de renda
, como é o caso de
debêntures incentivadas, LCAs
(letras de crédito do agronegócio) e
LCIs
(letras de crédito imobiliário).
“A gente tem visto uma
demanda forte por crédito privado, mas do tipo ‘high grade’
(nome dado a companhias que têm boas notas de crédito e, portanto, são consideradas ‘boas pagadoras’)”, afirma. Segundo o especialista,
mesmo que títulos privados paguem menos que os títulos públicos equivalentes,
o retorno absoluto deles ainda é elevado
devido aos juros altos no Brasil
. E como
em muitos deles há a isenção do imposto de renda, eles acabam sendo interessantes
para ajudar a diversificar e compor as carteiras dos clientes. “O que funciona é sempre a diversificação. Concentrar todo o seu patrimônio em uma coisa só nunca é bom”, complementa.
A tarefa aqui, no entanto, é justamente tentar encontrar títulos emitidos por empresas saudáveis e confiáveis, o que pode evidenciar ainda mais a importância de o investidor ter uma assessoria especializada.
Além da renda fixa, uma outra orientação dada pelos assessores neste ano é a de
diversificar o portifólio geograficamente
.
Segundo Varaschin, essa também foi uma reinvindicação dos próprios clientes, mesmo com o dólar mais alto.
A estratégia ganha ainda mais importância no cenário atual, com a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Isso porque muitas das medidas do republicano (como a taxação de produtos importados e a deportação de imigrantes) pode trazer mais inflação para os EUA. Com isso, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) pode seguir mantendo os juros no mesmo patamar até mesmo voltar a subir as taxas.
Assim,
os títulos de renda fixa americanos passam a render mais
e atrair mais investidores para lá. Isso
sem falar na bolsa americana, que segue de vento em popa sustentada especialmente pelas ações de tecnologia
(que também têm sido alvo de incentivos de Trump).
“O cliente pode investir diretamente nos Estados Unidos para caso precise ou queira sair do Brasil no futuro. Assim, ele já terá sua carteira em dólar e já vai ter ganhado com a eventual valorização da moeda americana. Ele pode comprar, por exemplo, os títulos de renda fixa, que são os mais seguros”, afirma Varaschin.
Ele destaca que há também a possibilidade do investidor aplicar nos EUA estando no Brasil, por meio dos instrumentos que existem na bolsa brasileira como os
BDRs
(Brazilian Depositary Receipts, que são recibos de ativos listados no exterior, mas negociados na
B3
). Mas, segundo Varaschin, nesse caso as opções são um pouco mais limitadas, porque o mercado de BDRs representa apenas uma pequena parcela do que existe no exterior.
Até mesmo nos bancos, que recentemente lançaram mão de suas próprias plataformas de assessoria de investimentos,
a orientação é para que o cliente priorize mais a renda fixa neste ano.
Nicholas McCarthy
, diretor de estratégia de investimentos do
Itaú
, afirma que, recentemente,
o banco reduziu a participação da bolsa brasileira em suas recomendações
e fez ajustes nas indicações de renda fixa de modo a
priorizar títulos que paguem um juro real
(ou seja, acima da inflação), dado que a inflação pode continuar subindo. “Assim, o investidor ganha a variação inflação e mais um pouco de juros”, diz.
A diversificação para o exterior também é uma orientação do Itaú. Mas, segundo McCarthy, isso não é uma novidade. “Aqui no banco, já há muito tempo
sugerimos que os clientes tenham entre 15% e 45% do patrimônio no exterior
,
dependendo do perfil”, complementa.
O diretor reforça, contudo, que o principal foco do banco é seguir as orientações do investidor, se adaptando ao que ele considera melhor. “A gente nunca empurra produto nenhum para o cliente. A gente faz a recomendação sobre a classe de ativo, seja renda fixa, multimercados, fundo imobiliário, aí o cliente decide. Ele pode nos perguntar quais são os produtos bons em renda variável, em multimercados, mas no final, o cliente que decide”.
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