Tesouro deve lançar ‘poupança de emergência’ e quer viabilizar Pé-de-Meia para os títulos públicos

Em um momento com muitas perguntas macroeconômicas para responder, o secretário do
Tesouro Nacional,
Rogério Ceron
, precisa, mais do que nunca, prestar contas também ao investidor pessoa física. Em fevereiro de 2025,
o número de clientes ativos do
Tesouro Direto
chegou na casa dos três milhões
— e o chefe da pasta já pensa em
encerrar o ano beirando os cinco milhões
. Para isso, o Tesouro prepara vários lançamentos para este ano.
Ceron contou com exclusividade ao
Valor Investe
que o Tesouro Nacional pretende
lançar mais um produto em 2025
. A ”
poupança de emergência
“, nome provisório,
deve ser pós-fixado e acompanhar a taxa de juros
, assim como o Tesouro Selic, mas
empacotado de uma forma mais simples
, além de, possivelmente,
ter uma aplicação mínima menor que a do Tesouro Selic, que hoje é de R$ 160
.
A pasta também está em vias de
regulamentar a possibilidade do dinheiro do Programa Pé-de-Meia
, criado pelo Governo Federal para
estimular a permanência dos alunos na escola e a conclusão do ensino médio
,
possa ser usado para o investimento no Tesouro Direto
, se o estudante assim quiser.
Atualmente, o benefício fica em uma poupança individual até a formatura
.
O secretário falou ainda dos desafios que tem pela frente. Como a responsabilidade e atuação do Tesouro Nacional diante das
disparadas das taxas dos títulos públicos desde o início do governo Lula
;
o recorde de investidores resgatando, antes do prazo de vencimento
, seus investimentos no Tesouro Direto em 2024; o fato de
os grandes bancos ‘esconderem’ o Tesouro Direto em suas plataformas;
e
a ampliação do horário de negociações na plataforma para 24 horas durante os sete dias da semana,
prevista para começar no começo do segundo semestre.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista com o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron:
Valor Investe
:
Os juros oferecidos pelos títulos públicos estão em níveis altos e, pela ótica de quem já investiu, o prejuízo é grande. Quem comprou papéis do Tesouro IPCA+ de longo prazo desde janeiro de 2024 até hoje, por exemplo, perdeu 5,5% no período, em média.
O Tesouro pretende intervir no mercado para estabilizar as taxas?
Rogério Ceron:
Não
. Nós fizemos algumas recompras de títulos no fim do ano, em alguns momentos muito específicos e de forma muito pontual. Nossa crença na gestão da dívida pública é não interferir em preço. Podemos entrar no mercado para corrigir alguma disfuncionalidade. Em certos momentos o mercado perde a referência e você precisa dar uma ajuda para ele se estabilizar, mas jamais formar preço.
Preço é o mercado que define
e sempre haverá um ponto de ajuste. Na ponta oposta, em 2023, por exemplo, houve uma queda generalizada das taxas. Portanto, no primeiro semestre daquele ano, quem investiu no
Tesouro Prefixado teve um retorno de mais de 40%
.
Foi a melhor aplicação do mercado naquele período
.
É importante lembrar que uma coisa é a marcação a mercado e outra é o carregamento do título até o seu vencimento. Quem comprou um título prefixado, vai ter a rentabilidade que foi contratada, ele não perde nenhum real.
O investidor pode ter uma perda com a diferença de taxas se decidir vender o título antes do prazo
. Mas,
tirando isso, você tem a rentabilidade contratada assegurada
.
Se alguém lá em janeiro de 2023 comprou um título atrelado à inflação, de vencimento de três anos, com taxa de juros de 6% ao ano, vai ter, ao final de 2025, a inflação do período mais a rentabilidade
.
Valor Investe:
O Tesouro Direito ainda é complicado para muita gente
. Alguns investidores acabam saindo no meio do caminho, seja por causa da necessidade de caixa, seja por se assustarem com a queda do papel. O Tesouro pensa em alguma forma de educação financeira?
Ceron:
Devemos lançar a ”
poupança de emergência
“, ainda não temos um nome oficial, mas
a ideia é justamente que o papel [pós-fixado] seja mais simples de ser entendido e mais acessível financeiramente para o pequeno investidor, até mais do que o Tesouro Selic. Esse novo produto deve ter aplicação mínima inferior aos R$ 160 do título atrelado à Selic
.
Se você vai fazer uma reserva de emergência, não deve comprar um RendA+
porque, se precisar vender antes do vencimento, pode acabar perdendo dinheiro. No ano passado, a gente realizou várias iniciativas. A mais relevante foi a
Olimpíada de Educação Financeira, a OLITEF
. Nós levamos a educação financeira para as escolas públicas e privadas, focando bastante no ensino médio.
É muito mais fácil você formar as crianças, do que corrigir o percurso dos adultos. Claro que a gente também tem as iniciativas para os mais velhos, como esses papéis específicos para aposentadoria, por exemplo, mas a gente está focando muito nos jovens.
Valor Investe:
Em 2024, o Tesouro registrou recorde de resgate antecipado. Desses, 62% foram de papéis do Tesouro Selic, 24% do Tesouro IPCA+ e 14% do Tesouro Prefixado
. A que o senhor atribui isso? O Tesouro tem feito algo para mudar esse cenário?
Ceron:
O que vimos de movimentos mais consistentes, é que
os resgates do Tesouro Selic estiveram muito associados a um reposicionamento estratégico
.
Os títulos mais longos do Tesouro RendA+ explodiram em número de investidores e volume
. O investidor que tem um pouco mais de conhecimento financeiro,
quando a taxa de juros subiu, viu uma oportunidade de resgatar o Tesouro Selic e comprar o Tesouro RendA+
porque achava que a taxa poderia cair de novo.
Taxa de juros acima da inflação de longo prazo, de mais de 7% ao ano, no Brasil, vai ser por pouco tempo
.
Valor Investe:
O site fez uma matéria mostrando que
os grandes bancos “escondem” o Tesouro Direto em suas plataformas
, talvez porque não tenham nenhum retorno quando o investidor compra os títulos. Como isso impacta a estratégia do Tesouro Direto? É mais difícil não ter os bancos como aliados?
Ceron:
O objetivo do Tesouro Direto não é concorrer com os produtos que os bancos oferecem
. É o contrário, ser uma porta de entrada, uma plataforma de educação financeira. Até para que o investidor tenha mais segurança e depois vá diversificando os investimentos. Não quero julgar se ele aparece muito ou pouco, os bancos têm suas estratégias e faz parte do jogo. O que eu acho muito triste é ver uma família de classe média ou classe média baixa investir numa aplicação que não é adequada, porque já é muito difícil poupar alguma parte da renda.
De qualquer forma, o que importa para nós não é volume financeiro do Tesouro Direto, e sim a quantidade de investidores. E tem uma coisa acontecendo em paralelo:
bancos de médio porte estão apostando muito no Tesouro Direto
, como uma forma de ter um diferencial competitivo para atrair e se aproximar do investidor. E
isso pode começar a incomodar os grandes bancos
.
Valor Investe:
O Tesouro tem algum estudo sobre quem são os investidores no Tesouro Direto? Existe um esforço para entender quem é esse público antes de lançar novos produtos?
Ceron:
Temos feito trabalhos com consultorias especializadas em avaliar, por exemplo, a ‘usabilidade’ da plataforma. A jornada ainda está árida, tem muita fricção e
tem gente que desiste no meio do caminho, quando começa a ficar difícil
.
O
Cad&Pag
[que combina um cadastro rápido, com investimento via PIX ] foi feito para resolver esses problemas, para tentar simplificar o caminho para o novo investidor. Só que, no primeiro momento,
quando o investidor chegava até o fim do processo, só tinha a possiblidade de operar com bancos menos conhecidos, o que poderia ser um problema
. Nós mudamos isso e
hoje o
Banco do Brasil
também está cadastrado
. São coisas simples, mas que fazem a diferença.
Queremos chegar mais próximo de cinco milhões de investidores
, por isso que essa estratégia de criar produtos simples, acessíveis, de uma forma fácil,
é importante para chegar nas classes C e D, a pessoa que só tem R$ 30 para investir por mês
.
Valor Investe:
O senhor já anunciou que a partir do segundo semestre
o Tesouro Direto vai funcionar 24 horas, sete dias por semana
. O Tesouro quer competir com os fundos 24 horas, por exemplo?
Ceron:
Não há o interesse em competir, até pode acontecer, mas não é o objetivo. Pensamos nisso porque
uma parte importante da população não tem tempo disponível durante o dia para poder sentar e pensar onde guardar o dinheiro
. Vai ter um tempo, talvez à noite, talvez no fim de semana. Mas a maior parte das plataformas de investimento só funciona no horário comercial e isso dificulta um pouco a vida da pessoa. É provável que
o começo seja apenas com o Tesouro Selic
, no início do segundo semestre, e depois abriremos para os demais títulos.
Valor Investe:
Os recursos que os alunos recebem no programa Pé-de-Meia, por exemplo, vão para uma poupança. Não seria o caso de permitir que o dinheiro pudesse ficar também no Tesouro Direto?
Ceron:
Devemos soltar, em breve, uma regulamentação para que os alunos possam direcionar esses recursos também para o Tesouro Direto
, então o dinheiro teria uma rentabilidade maior enquanto o estudante não o acessa. Estamos trabalhando para dar essa opção para os que quiserem.
Valor Investe:
O Tesouro lançou primeiro o
RendA+
, para complementar a aposentadoria, depois o
Educa+,
para auxiliar na educação de jovens no futuro. Mas os dois títulos parecem crescer em um ritmo mais lento.
O senhor acredita que os papéis não “pegaram”?
Ceron:
Como qualquer produto, eles têm um ciclo de vida. As taxas de crescimento, tanto do RendA+ quanto do Educa+ estão ótimas. É difícil encontrar, no mercado, um produto que em um ano tenha atingido centenas de milhares de investidores. Certamente eu quero que vá melhor, mas estamos contentes com os números.
Valor Investe:
O senhor acha que
os títulos do Tesouro Direto sofrem uma competição injusta com os títulos isentos
, como as LCIs, LCAs e debêntures incentivadas?
Ceron:
Esses títulos isentos afetam mais a gestão da dívida pública como um todo do que o Tesouro Direto
. Eles têm algum impacto na colocação de títulos públicos em geral. No ano passado, por exemplo, em alguns momentos
debêntures incentivadas estavam com taxas abaixo das do Tesouro IPCA
.
Sempre existe um risco maior num título privado do que num título público, e a isenção do Imposto de Renda pode distorcer o mercado
. Do ponto de vista do Tesouro Direto é até desejável que o investidor “pegue gosto” e comece a diversificar. Isso é saudável, mas se feito de forma consciente.
Valor Investe:
O que o investidor pode esperar de novidade no Tesouro Direto em 2025?
Ceron:
A grande aposta do ano é o
Tesouro Direto 24 horas, sete dias na semana
. É uma revolução para o segundo semestre. Trazer
o Pé-de-Meia para o Tesouro Direto
também será um grande feito no ano. Vamos
associar educação financeira com empreendedorismo para os jovens
e devemos anunciar, também, o
Tesouro Direto Impacta
em 2025
, um programa de fomento a startups em educação financeira
, sem contar o lançamento do ”
poupança de emergência

— Foto: Wenderson Araujo/Valor
Mais recente
Próxima
Tesouro Direto: juros caem reagindo a dados no Brasil e EUA; comprar ou não?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *